02 março, 2008

A origem dos anos bissextos

Post de Palmira F. da Silva publicado no Blog De Rerum Natura em 29.02.2008:


O dia de hoje, 29 de Fevereiro, ocorre apenas nos anos bissextos, denominação que alguns pensam reflectir o facto de os anos assim chamados terem 366 dias (com dois seis), o que não é verdade, como iremos ver. Este dia «extra» é uma correcção introduzida para acertar o que resulta de as nossas unidades de tempo dia e ano serem referidas aos movimentos da Terra: um dia (um dia solar tem 24 horas, há uma excelente explicação no Bad Astronomy sobre a diferença entre dia solar e dia sideral) é o período de rotação da Terra e um ano, o tempo que a Terra demora na translacção em torno do Sol, não é um número inteiro de dias.

Como Phil Plait explica, há algumas nuances na definição de ano e no cálculo do tempo que a Terra demora a orbitar o Sol. Na Antiguidade, os astrónomos calcularam que a Terra dava a volta ao Sol em 365.25 dias (365 dias mais 6 horas) mas a adição de um dia extra de 4 em 4 anos tentada em Alexandria por Ptolomeu III em 238 a.C. não teve sucesso. Anos de 365 dias transformavam o calendário numa dor de cabeça, agravada no tempo de Júlio César pelo corrupto pontifex maximus, o sacerdote encarregue do calendário para quem a duração do ano reflectia as compensações monetárias dos que queriam manter um determinado cargo mais tempo ou pretendiam abreviar o mandato de um inimigo.

César, com o auxílio do astrónomo grego Sosígenes, reformou o calendário no ano que corresponde ao actual 45 a.C., na altura ano 709 AUC - ab urbe conditia, desde a fundação da Cidade (de Roma). Este calendário, que instituia entre outras coisas um ano bissexto de quatro em quatro anos, passou a ser conhecido por calendário juliano, adoptado pela generalidade da Cristandade em 325 d.C. e ainda usado pela Igreja Ortodoxa.

O problema não terminou aqui já que um ano não é exactamente 365 dias e 6 horas mas sim 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos. Embora a diferença possa parecer insignificante, no ano 1582, data em que o Papa Gregório XIII fez outra reforma no calendário, a diferença entre o ano astronómico e o ano sazonal já era suficiente para o pontífice ordenar o «buraco» de dez dias necessário para a corrigir. Assim, ao dia 4 de Outubro desse ano sucedeu o dia 15 de Outubro. Para evitar correcções análogas no futuro, o novo calendário gregoriano, que usamos até hoje, prevê serem bissextos os anos que sejam divisíveis por 400 e os divisíveis por 4 mas não por 100.

O mês que toma o nome do festival de purificação e limpeza denominado Februa (de Februarius que significa purificar) - ou do deus etrusco Februs mais tarde identificado com o deus romano Plutão - foi tornado ainda mais curto pelas manias de grandeza do imperador Augusto que não admitiu que o mês oitavo que tomou o seu nome fosse «inferior» ao mês sétimo que honra o seu tio-avô Júlio César.

Ao dia 29 de Fevereiro estão associadas inúmeras superstições e tradições, algumas delas bastante curiosas, o que não é de espantar dada a forma como o dia extra de Fevereiro foi introduzido. Ao adicionar o dia suplementar, Júlio César escolheu o mês de Fevereiro, o então último mês do ano considerado mês nefasto entre os romanos. Para dar a volta aos seus concidadãos mais supersticiosos, para além de decretar que o primeiro mês do ano passava a ser Janeiro e não Março, em vez de aumentar de 1 dia de quatro em quatro anos a duração do mês, César congeminou um sistema complicado: duplicou o vigésimo quarto dia de Fevereiro, que recebia na época o nome de «dia sexto antes das calendas de Março». Deste modo, o dia suplementar era o bis sextum ante diem calendas martii, que deu origem à actual designação de dia bissexto, designação que se estendeu ao ano.

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