25 novembro, 2011

Semana da Ciência e da Tecnologia 2011 - Tertúlia on-line (VII)



Fala do Homem Nascido

(chega à boca da cena, e diz:)

"Venho da terra assombrada,
do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.


Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.


Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem,
correntes que me detenham.


Quero eu e a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.


Com licença! Com licença!
Que a barca se faz ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar."

in
Teatro do Mundo (1958) - António Gedeão

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