Do Blog De Rerum Natura publicamos, com a devida vénia, o seguinte post:
«O Livro das Escolhas Cósmicas» já foi mencionado no De Rerum Natura. O seu autor, Orfeu Bertolami, faz um diagnóstico da investigação em astronomia no nosso país neste post convidado.
Na última década, a astronomia em Portugal fez progressos notáveis. No início da década de 1990 contavam-se com os dedos de uma mão os astrónomos profissionais a trabalhar em Portugal. No final do século passado, o país contava já com cerca de quarenta astrónomos doutorados, embora só cerca de um quarto detenha posições estáveis. Desde então a actividade está praticamente estagnada — ao ponto de, entre os jovens astrónomos que entusiasticamente responderam ao apelo desta fascinante actividade, alguns já se encontrarem na amarga situação de desemprego, depois de terem esgotado todos os meios de financiamento disponíveis a curto prazo. Acresce à gravidade desta confrangedora situação a possibilidade de muitos outros investigadores passarem à mesma condição num futuro próximo. Nunca é demais relembrar que os doutoramentos obtidos por estes jovens astrónomos, tanto no país como no estrangeiro, foram, via de regra e em larga medida, financiados pelo contribuinte português.
Se no início dos anos 1990, a astronomia foi considerada uma das prioridades científicas do país, dada a adesão de Portugal ao Observatório Europeu do Sul (ESO) e o anseio de aderir à Agência Espacial Europeia (ESA), o que de facto se concretizou em 2001, parece não haver hoje grande interesse no desenvolvimento de raízes desta actividade. Assim, os assinaláveis ganhos científicos não se podem tornar no ponto de partida para a consolidação desta no sistema universitário; consequentemente, afasta-se a comunidade astronómica nacional da maturidade que esta disciplina tem adquirido na Europa, para além da já existente nos quatro grandes países — Alemanha, França, Itália e Reino Unido — que, ao longo da história, têm vindo a contribuir regularmente para a cultura astronómica.
Como é evidente, esta situação é de todo indesejável e prejudica os interesses do país a médio e longo prazo; impõe-se analisar as suas razões primeiras e procurar encetar um conjunto de medidas que visem recuperar a iniciativa e garantir a continuidade da astronomia em Portugal. É nossa opinião que a causa principal desta problemática está na incapacidade de resposta do sistema universitário. De modo geral, este sistema é opaco aos desenvolvimentos científicos mais importantes, e ainda não deu mostras de conseguir reagir positivamente às profundas alterações que tiveram lugar nas qualificações profissionais adquiridas pelas novas gerações de cientistas e investigadores portugueses. Não se vislumbra no seio do sistema universitário qualquer plano estratégico ou medidas de longo alcance para absorver a jovem geração de cientistas. É evidente que houve, ao longo dos últimos anos, inúmeras contratações de indivíduos e importantes mudanças de atitude relativamente à importância da investigação e da sua relação com o ensino. Porém, dificilmente podemos falar de uma estratégia ou de um genuíno interesse no bom acolhimento das novas gerações.
É relevante notar que o novo enquadramento jurídico das instituições de ensino superior que entrou em vigor no dia 10 de Outubro passado, não tem qualquer implicação directa para a problemática da absorção dos novos doutores. Pode quando muito, mitigar o problema quando vontade ou verbas para este fim houver. No caso específico da astronomia, a situação é, em certa medida, mais grave do que em outras áreas, dado que a actividade praticamente não existia no sistema universitário; como tal, não podia assim contar com as cumplicidades tão essenciais para uma boa assimilação e acomodação com as estruturas existentes. A experiência de transformação dos históricos observatórios astronómicos em activos centros de investigação das universidades também não tem sido completamente satisfatória, devendo-se essencialmente à insipiência das relações de colaboração científica e institucional e a alguma incompreensão relativa à dispersão temática que uma área de investigação inevitavelmente adquire, quando se instala num sistema onde não existia ou onde não tinha grande expressão. A inexistência de um laboratório ou estrutura nacional dedicado à astronomia também não facilita o desenvolvimento da actividade, pois não há uma base segura para a estabilidade laboral necessária para que a nova geração dê o seu contributo.
Note-se que a abertura fortuita de umas poucas posições de cinco anos, conforme anunciado no verão passado, vem naturalmente ao encontro das aspirações de alguns investigadores com sorte, porém dificilmente altera a natureza estrutural do problema.
Infelizmente, a situação presente contrasta com o optimismo que se respirava há poucos anos e com a notável expansão científica observada nos últimos tempos, tanto a nível quantitativo como qualitativo. Num estudo recentemente realizado por este autor sobre a evolução da cosmologia em Portugal nos últimos vinte anos, são objectivamente visíveis os avanços alcançados. É também notável que Portugal se destaque na Europa pelo vigor do progresso realizado nos últimos anos, para além da qualidade e da diversidade dos trabalhos realizados.
Assim, no nosso entender, é fundamental a criação de um ambiente conjunturalmente mais propício para o desenvolvimento da astronomia em Portugal. Tal passa por uma maior abertura do sistema universitário, o que exige, entre outras medidas de fundo, uma alteração do regime de contratações, que deve ser necessariamente desacoplado do processo de promoção dos docentes e investigadores que já se encontram no sistema.
Para além disto, seria importante que o país pudesse contar com um laboratório nacional para agregar as diversas competências e saberes. Uma estrutura desta natureza é perfeitamente compatível com os recentes esforços de constituição do consórcio Física N, que congregará as actividades de investigação em física nuclear, fusão nuclear e física dos plasmas, física experimental de partículas e computação avançada. Uma vertente de física do espaço, que unificasse esforços em ciência do espaço, astronomia, astrofísica, cosmologia e física de detectores seria um complemento lógico ao consórcio que se pretende criar. Como modelo de estrutura desta natureza, podemos mencionar o Instituto Kavli da Universidade de Chicago, uma congregação contemporânea de competências transversais para desenvolver investigação em cosmologia e que abriga astrónomos, cosmólogos, físicos de altas energias, especialistas em detectores e física do espaço. Para muitos especialistas em gestão científica, esta é a configuração organizacional ideal para se responder com inteligência e flexibilidade aos desafios do século XXI.
«O Livro das Escolhas Cósmicas» já foi mencionado no De Rerum Natura. O seu autor, Orfeu Bertolami, faz um diagnóstico da investigação em astronomia no nosso país neste post convidado.
Na última década, a astronomia em Portugal fez progressos notáveis. No início da década de 1990 contavam-se com os dedos de uma mão os astrónomos profissionais a trabalhar em Portugal. No final do século passado, o país contava já com cerca de quarenta astrónomos doutorados, embora só cerca de um quarto detenha posições estáveis. Desde então a actividade está praticamente estagnada — ao ponto de, entre os jovens astrónomos que entusiasticamente responderam ao apelo desta fascinante actividade, alguns já se encontrarem na amarga situação de desemprego, depois de terem esgotado todos os meios de financiamento disponíveis a curto prazo. Acresce à gravidade desta confrangedora situação a possibilidade de muitos outros investigadores passarem à mesma condição num futuro próximo. Nunca é demais relembrar que os doutoramentos obtidos por estes jovens astrónomos, tanto no país como no estrangeiro, foram, via de regra e em larga medida, financiados pelo contribuinte português.
Se no início dos anos 1990, a astronomia foi considerada uma das prioridades científicas do país, dada a adesão de Portugal ao Observatório Europeu do Sul (ESO) e o anseio de aderir à Agência Espacial Europeia (ESA), o que de facto se concretizou em 2001, parece não haver hoje grande interesse no desenvolvimento de raízes desta actividade. Assim, os assinaláveis ganhos científicos não se podem tornar no ponto de partida para a consolidação desta no sistema universitário; consequentemente, afasta-se a comunidade astronómica nacional da maturidade que esta disciplina tem adquirido na Europa, para além da já existente nos quatro grandes países — Alemanha, França, Itália e Reino Unido — que, ao longo da história, têm vindo a contribuir regularmente para a cultura astronómica.
Como é evidente, esta situação é de todo indesejável e prejudica os interesses do país a médio e longo prazo; impõe-se analisar as suas razões primeiras e procurar encetar um conjunto de medidas que visem recuperar a iniciativa e garantir a continuidade da astronomia em Portugal. É nossa opinião que a causa principal desta problemática está na incapacidade de resposta do sistema universitário. De modo geral, este sistema é opaco aos desenvolvimentos científicos mais importantes, e ainda não deu mostras de conseguir reagir positivamente às profundas alterações que tiveram lugar nas qualificações profissionais adquiridas pelas novas gerações de cientistas e investigadores portugueses. Não se vislumbra no seio do sistema universitário qualquer plano estratégico ou medidas de longo alcance para absorver a jovem geração de cientistas. É evidente que houve, ao longo dos últimos anos, inúmeras contratações de indivíduos e importantes mudanças de atitude relativamente à importância da investigação e da sua relação com o ensino. Porém, dificilmente podemos falar de uma estratégia ou de um genuíno interesse no bom acolhimento das novas gerações.
É relevante notar que o novo enquadramento jurídico das instituições de ensino superior que entrou em vigor no dia 10 de Outubro passado, não tem qualquer implicação directa para a problemática da absorção dos novos doutores. Pode quando muito, mitigar o problema quando vontade ou verbas para este fim houver. No caso específico da astronomia, a situação é, em certa medida, mais grave do que em outras áreas, dado que a actividade praticamente não existia no sistema universitário; como tal, não podia assim contar com as cumplicidades tão essenciais para uma boa assimilação e acomodação com as estruturas existentes. A experiência de transformação dos históricos observatórios astronómicos em activos centros de investigação das universidades também não tem sido completamente satisfatória, devendo-se essencialmente à insipiência das relações de colaboração científica e institucional e a alguma incompreensão relativa à dispersão temática que uma área de investigação inevitavelmente adquire, quando se instala num sistema onde não existia ou onde não tinha grande expressão. A inexistência de um laboratório ou estrutura nacional dedicado à astronomia também não facilita o desenvolvimento da actividade, pois não há uma base segura para a estabilidade laboral necessária para que a nova geração dê o seu contributo.
Note-se que a abertura fortuita de umas poucas posições de cinco anos, conforme anunciado no verão passado, vem naturalmente ao encontro das aspirações de alguns investigadores com sorte, porém dificilmente altera a natureza estrutural do problema.
Infelizmente, a situação presente contrasta com o optimismo que se respirava há poucos anos e com a notável expansão científica observada nos últimos tempos, tanto a nível quantitativo como qualitativo. Num estudo recentemente realizado por este autor sobre a evolução da cosmologia em Portugal nos últimos vinte anos, são objectivamente visíveis os avanços alcançados. É também notável que Portugal se destaque na Europa pelo vigor do progresso realizado nos últimos anos, para além da qualidade e da diversidade dos trabalhos realizados.
Assim, no nosso entender, é fundamental a criação de um ambiente conjunturalmente mais propício para o desenvolvimento da astronomia em Portugal. Tal passa por uma maior abertura do sistema universitário, o que exige, entre outras medidas de fundo, uma alteração do regime de contratações, que deve ser necessariamente desacoplado do processo de promoção dos docentes e investigadores que já se encontram no sistema.
Para além disto, seria importante que o país pudesse contar com um laboratório nacional para agregar as diversas competências e saberes. Uma estrutura desta natureza é perfeitamente compatível com os recentes esforços de constituição do consórcio Física N, que congregará as actividades de investigação em física nuclear, fusão nuclear e física dos plasmas, física experimental de partículas e computação avançada. Uma vertente de física do espaço, que unificasse esforços em ciência do espaço, astronomia, astrofísica, cosmologia e física de detectores seria um complemento lógico ao consórcio que se pretende criar. Como modelo de estrutura desta natureza, podemos mencionar o Instituto Kavli da Universidade de Chicago, uma congregação contemporânea de competências transversais para desenvolver investigação em cosmologia e que abriga astrónomos, cosmólogos, físicos de altas energias, especialistas em detectores e física do espaço. Para muitos especialistas em gestão científica, esta é a configuração organizacional ideal para se responder com inteligência e flexibilidade aos desafios do século XXI.
Sem comentários:
Enviar um comentário